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Sanções internacionais não funcionam

  • Foto do escritor: Guilherme Sousa Rocha
    Guilherme Sousa Rocha
  • 24 de fev. de 2023
  • 5 min de leitura
No triste aniversário de um ano da guerra da Rússia contra a Ucrânia, veja nossa análise de uma consequência do conflito: as sanções internacionais.

Quando um país age de forma agressiva contra outro, a reação imediata da comunidade internacional é procurar medidas jurídicas de contenção da agressividade. Contudo, pouco se discute abertamente sobre as limitações do direito internacional.


A invasão da Rússia contra a Ucrânia fez o Twitter pipocar de bandeiras azuis-amarelas. De fato a agressão da Rússia é bárbara e inaceitável. A justa indignação contra os russos demandou clamores para que o Brasil ficasse do lado da Ucrânia. O então presidente Bolsonaro foi duramente criticado por visitar Putin às vésperas da guerra.


Um presidente democrático não poderia visitar um ditador, não é mesmo? Mais do que isso: ele deveria cortar relações com esses países agressores, não é verdade? Acontece que as relações internacionais não são simples para se resolverem em disparates de rede social. Você não deixa de conversar com um país como deixa de falar com seu cunhado bolsonarista.


Temos o instinto de tratar a diplomacia como tratamos os assuntos domésticos. Se um cidadão descumpre a lei local, ele será julgado e punido. Mas um governo que abala a ordem internacional não necessariamente pode ser imputado.


Como não há um governo global hierarquicamente superior - nem deveria haver -, há poucas maneiras eficientes de punir um país agressor. Nem mesmo a ONU ou a Corte Internacional de Justiça tem mandato, estrutura e legitimidade para ser a polícia global.


A maneira de subjugar um criminoso é sempre pela força. No direito internacional, não é diferente. Essa coação pode ser por aceitação de uma decisão judicial, o que já existe em casos mais simples na ordem global. Mas quando os países tocam em assuntos mais graves, o uso da força precisa ser escalado.


Há um consenso geral de que a força total - bélica - é extremamente indesejável e só deveria ser usada como último recurso. Ao longo dos anos, os países despendem outro tipo de coerção, cada vez mais comum: as sanções internacionais. Elas podem ser definidas como medidas coercitivas que um país aplica em outro para que este readeque seu comportamento em linha com o esperado na ordem internacional.


As sanções são previstas na carta das Nações Unidas e na teoria das relações internacionais. Elas são vistas como meios menos agressivos em tese, em contraponto à ação militar pura e simples. É tentador imaginar que cortar relações comerciais, transportes e telecomunicações com um país agressor vá fazê-lo parar com a agressão. [1]


Porém, confiar demais nas sanções internacionais é ingenuidade. Via de regra, as sanções não atingem o governo rebelde, e sim atingem a população governada. Governos merecedores de sanções internacionais costumam ser autoritários. Assim que o autocrata se ver sancionado, ele vai reagir de forma autoritária.


O que é mais provável acontecer? O ditador vai usar todos os meios para blindar-se contra as sanções e contorná-las. Ele estará disposto a tirar do seu próprio povo para isso. Se o dinheiro ficar curto por causa das sanções, ele vai concentrar ainda mais o pouco dinheiro disponível no país. Você pode até congelar o patrimônio no exterior das oligarquias, mas essa elite buscará compensar essas perdas internamente. “Sanções econômicas punem as pessoas erradas.” [2]


Em seguida, o ditador sancionado usará a sanção como argumento de unidade nacional. Todo político gosta de um inimigo externo para mobilizar o povo. [3] Como ditador, ele controla a mídia local para disseminar seu discurso ufanista. Não adianta esperar, como Manuel Oechslin aponta [4], que os cidadãos do Estado-alvo vão pressionar seu governo para que ele se adeque (e as sanções acabem). Esses cidadãos já são oprimidos, sem liberdade de expressão e sem instituições eficazes.


A História elenca muitos exemplos de sanções internacionais fracassadas. A Itália de Mussolini foi constrangida pela Liga das Nações; Saddam Hussein foi condenado pelos EUA; a Líbia de Kadafi também. O que resultou desses exemplos foi respectivamente a Segunda Guerra Mundial, a Guerra do Iraque e a guerra civil líbia.


Um raro exemplo de sanção que terminou em um processo de paz foi o processo que derrubou o apartheid na África do Sul. Mas essas sanções duraram trinta anos para surtir efeito e forçar a troca do regime. Foram trinta anos de isolamento do povo sul-africano, enquanto a elite branca local continuava com seus privilégios. [5]


O país sancionador geralmente o faz tão somente para demonstrar ação à sua opinião pública. [6] Pode-se tirar uma foto para o jornal ao não comprar petróleo da Rússia, mas depois vai comprar petróleo de outras ditaduras, como Venezuela ou Arábia Saudita.


Este singelo exemplo do petróleo ilustra a realidade nua e crua: cada país tem seu interesse. Com o Brasil não é diferente. É controverso para o Brasil se meter sempre em guerras de outros continentes. Caso haja uma ameaça global concreta, como foi o fascismo dos anos 1930, apenas uma ação coordenada com potências democráticas poderia surgir algum efeito. Em qualquer caso, ajuda humanitária e conversas de paz são bem-vindas, mas isso se faz de forma acordada com as partes em conflito.


Bolsonaro fez bem em negociar com Putin os fertilizantes de que o Brasil precisa. Cortar esse laço com a Rússia comprometeria o suprimento alimentar brasileiro. É uma clara demonstração de que, em um mundo interconectado, as sanções correm risco de voltar-se contra os sancionadores.

[1] E. H. Carr vê com ceticismo a aplicação isolada de sanções econômicas. “(...) no que diz respeito a sanções, assim como à guerra, o único lema é ‘tudo ou nada’, e que o poder econômico é impotente se a mão armada não estiver pronta para sustentá-lo. O poder é indivisível e as armas militares e econômicas são, meramente, diferentes instrumentos do poder.” - Ver o livro Vinte anos de crise (1939).


[2] Konstantin Zhukov, em https://fee.org/articles/sanctions-on-russia-are-worse-than-useless/, acessado em 17/7/2022.


[3] “Por certo, em uma situação de total debilidade social, as massas podem ser facilmente manipuladas pelos governos e pela mídia local, que tendem a construir a imagem de inimigos externos, desviando o foco do próprio governo, mantendo-os unidos em um alvo semelhante e incutindo medo em seu inconsciente, fator essencial à obediência.” Martins, Hugo - As sanções [socio]econômicas internacionais frente aos direitos humanos: uma reflexão e propostas diante dos desafios do século XXI (2017).



[5] Para mais sobre os casos de Líbia, Iraque e África do Sul, ver Martins (2017).


[6] Em alguns casos, a sanção também ocorre por um motivo geopolítico oculto, sendo a paz apenas um pretexto. “Dessa forma, a abordagem instrumental para explicar o uso de sanções aponta que os governos utilizam-nas para forçar os países-alvo a mudarem políticas controversas (MCLEAN; ROBLEYER; 2016, p. 4), mas também para consolidar o seu poder econômico, fator determinante para a robustez do poder político-militar e, assim, exercer protagonismo perante os membros da Sociedade Internacional.” - Martins (2017).

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